julie azevedo
Since 86. Queer person. leitora & escritora. escuto música, bebo café e me preocupo demais com coisas que não deveria. Blog com quase 15 anos de história, onde as coisas acontecem devagar. arte: yelena bryksenkova

A Canção de Aquiles, de Madeline Miller

Primeiro, esse livro me surpreendeu de diversas maneiras. Achei que por ser um livro popular no TikTok eu ia achá-lo bobinho e com uma escrita simplória, sem charme. Mas o que eu li aqui é bem diferente dessa primeira impressão.

A Madeline Miller tem uma escrita muito envolvente e bem trabalhada. Não é repetitiva e suas descrições são excelentes. Quando eu digo que não é repetitiva, é que as descrições de cenas e os diálogos não parecem se repetir pelo livro. Ela sempre tem uma maneira diferente de mostrar o que quer dizer, e vice versa.


Os mais puristas (ou o que eu gosto de chamar de “gente chaaaata”), que leram Ilíada antes talvez, vão dizer que deve estar errado “historicamente”, com escrita cafona (eu ouvi isso, e achei bem infundada, pois a autora escreve muito bem), e que os personagens não convencem em ser reais e/ou bem desenvolvidos. Porém discordo de qualquer coisa que fale mal do livro, pois tem que admitir-se que ela sabe muito bem o que está fazendo.

Em A Canção de Aquiles quem conta a história é Pátroclo – que tem alguns papéis designados dependendo da versão: hora é o escudeiro de Aquiles, hora é o melhor amigo, primo–, neste reconto da história homérica se torna o melhor amigo de Aquiles e logo depois seu amante incondicional.

Pela perspectiva de Pátroclo, Aquiles é quase perfeito. Digo quase, pois em dado momento até mesmo Pátroclo condena suas decisões um tanto egoístas, então ele tenta ser o mais cauteloso possível para não enfrentar seu amado com raiva e desgosto. De qualquer modo, o que prevalece é o amor que os dois sentem um pelo outro, e isso fica claro em várias passagens carinhosas entre os dois.

— Cite um herói que tenha sido feliz
[...]
— Eu serei o primeiro. Segurou minha mão e pousou-a na sua. — Jure.
— Por que eu devo jurar?
— Porque você é a razão. Jure.
— Eu juro — murmurei perdido nas cores luminosas de seu rosto, na chama de seus olhos.
— Juro — ecoou ele.

Embora em todo o livro os dois sempre estejam juntos, cada um tem sua função, sendo que Aquiles é o herói que se mantém por uma profecia, de que ele será o herói. E Pátroclo depois meio que descobre do que é capaz, não só de ser um acompanhante de Aquiles.

Os outros personagens são muito bem escritos também, embora não tão aprofundados, imagino que nem era intenção da autora fazer isso. Gostei muito do Odisseu/Ulisses e do centauro Quíron, que é o tutor quando os dois ainda são jovens.

Mais para o final do livro as coisas mudam um pouco de tom, pois temos alguns conflitos sérios e tensos. Eles já são relativamente adultos, então não deixa de ser um livro de amadurecimento, crescimento dos personagens, ou o famoso coming of age, e acho que foi muito por esse motivo que gostei tanto de como a história dos dois foi sendo construída e como se encerra nesse reconto.

Fui pega por uma torrente de emoções quando comecei a ler e isso foi só aumentando conforme a leitura ia avançando. Me apegando aos personagens e esperando que coisas boas sempre acontecessem com eles. Claramente que temos a guerra de Troia em torno de tudo isso, mas é justamente o sentimento em que estão envolvidos Aquiles e Pátroclo que deixa todo o livro mais bonito e completo.

À noite, deito-me ao lado de Aquiles. Sua face é inocente, suavizada pelo sono, quase infantil. Esse é seu verdadeiro eu, tranquilo e honesto, travesso, mas não malicioso. Enredou-se na duplicidade, nas mentiras, nos jogos de poder de Agamêmnon e Odisseu. Eles o confundiram, ludibriaram-no, armaram-lhe uma cilada. Acaricio a pele macia de sua fronte. Eu o libertaria de todas as suas tribulações, se pudesse. E se ele permitisse.

Como ainda não li Ilíada, no qual a autora se baseou para tirar todo o contexto de seu livro (e por isso a questão do calcanhar nem é abordada), não posso dizer o quão fiel ela se manteve aos assuntos que tratam da guerra, só vi resenha dizendo que ela soube mesmo colocar isso no livro de maneira perspicaz e bem feita.

Amei demais esse livro e recomendo, mas sei que nem todo mundo vai se interessar, dizendo que vão querer ler a Ilíada, então. Pois eu fiquei com mais vontade de ler a história de Homero, embora eu não consiga mais parar de pensar em A Canção de Aquiles. Entrou para os meus favoritos.

J.

Comentários

  1. Parece ser um livro incrível, que merece ser lido e acompanhado.

    Boa semana!

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    Até mais, Emerson Garcia

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