julie azevedo
Since 86. Queer person. leitora & escritora. escuto música, bebo café e me preocupo demais com coisas que não deveria. Blog com quase 15 anos de história, onde as coisas acontecem devagar. arte: yelena bryksenkova

A Hora da Estrela, de Clarice Lispector

Sobre o que fala A Hora da Estrela? Pode-se dizer que fala sobre sofrimento, ou sobre a vida miserável; sobre esperança de uma moça tola, ou sobre uma vida perdida. Talvez até fale de outras coisas que nada se parecem com as que citei, mas com certeza sobre inocência o livro fala.

A inocência de uma moça que não conhecia nada além de sua cidadezinha no nordeste. Conhecia o de si mesma apenas o que vivia, nada mais. Era tola em seu mundo onde ouvia a Radio Relógio, e comia pouco porque não tinha mais dinheiro para se dar o mínimo de luxo. E era tola por acreditar em um mundo bom e que sua vida era ótima.

Na história temos três personagens principais. Macabéa, a moça; Rodrigo S.M., o narrador, e a própria Clarice Lispector. Ela está ali, nas linhas que inventam um narrador, um pseudônimo, para não ter de encarar de frente essa história belamente triste. Ela se esconde atrás de Rodrigo para falar de Macabéa e não se entregar às frases reflexivas, nem ao destino dolorido. Clarice está ali, em cada linha, em cada palavra de uma poesia cotidiana. Com uma suavidade própria dela, ela conta em poucas páginas sobre a vida de uma moça que não sabia ter uma vida triste, porém que a aceitava como sua.

Vemos nos personagens que que contracenam com Macabéa, o quanto são indiferentes e que apenas a tratam como uma pessoa qualquer. Maca (como chama Rodrigo) não questiona esse tratamento meio rude, não espera nada de ninguém, assim como não espera nada de si mesma. Só vive os dias como a rotina comum.

O livro não é feliz nem possuí um final feliz, e me peguei desnorteada depois de acabar de le-lo. Tive a impressão de perder algo pelo caminho, mesmo não tendo nada semelhante à minha vida. O livro mexeu comigo, porque se você sente um pouco de pena de alguém, você sente que Macabéa pode ser o retrato de alguém real. 

Mas o livro vale pela sensacional narrativa reflexiva, e (porque não?) filosófica do texto muito bem construído por Clarice.

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