julie azevedo
Since 86. Queer person. leitora & escritora. escuto música, bebo café e me preocupo demais com o que não deveria. Blog com quase 15 anos de história, onde as coisas acontecem devagar. arte: yelena bryksenkova

Renascimento



Estava eu, sentada no parapeito da janela, com os pés suspensos no ar e os balançava de forma calma enquanto uma brisa suavemente levantava alguns fios dos meus cabelos. Eu sussurrava uma canção antiga, de um filme antigo do qual não me recordo; observava esse mundinho torturante e as marionetes lá em baixo andando alienadas de encontro às suas tarefas.

No instante que eu decidira que já tinha visto e relembrado daquele mundo o bastante - para não esquece-lo - me pus a caminho da minha decisão daquela manhã (em que acordei com os olhos vermelhos, e entorpecida pelos remédios) algo me segurou pelo ombro direito.

Olhei para trás assustada, pois não esperava que alguém pudesse tentar me impedir; uma vez que ninguém sabia do meu plano fúnebre. Um rapaz de rosto angelical me fitava surpreendentemente com um sorriso doce. Afirmou com suavidade na voz:
- Você não quer fazer isso.
Como assim?! Desde quando os outros sabem o que quero?
Respondi com convicção:
- Tomei uma decisão; não pretendo voltar atrás, e creio que você não conseguirá me persuadir.

Ele sorriu novamente, um sorriso doce e calmo, que estava me deixando tensa e desconfortável.
- Pessoas como você não deveriam desperdiçar o que tem de melhor cometendo um ato desses. O suícidio só leva desgosto a si próprio e aos que lhe amam.

Suícidio. Aquela palavra me assustou. Fiquei em choque. Não havia pensado nela ainda; as letras não tinham se formado na minha mente nem na minha boca, de tal modo que eu não consegui pronunciá-la naquele momento.

O rapaz me estendeu a mão, sem dizer nada, sem tentar me convencer de não fazer aquilo. Ele simplesmente estendeu a mão me olhando profundamente nos olhos e eu não pude responder, nem recuar. Estava indefesa ao seu ato de bondade.

Levantei devagar e ele me conduziu até a cama, onde sentei e respirei fundo. Agora parecia que eu recobrava os sentidos que julgava ter perdido durante meses.

Cansada, deitei e meus olhos começaram a fechar; mas antes de entrar em sono profundo ouvi o rapaz dizer:
- Confio em você e sei que não tentará fazer isso novamente. Descanse e quando acordar entre em contato com sua família. Não precisa contar o que aconteceu; eles apenas gostarão de saber que está bem.

E com essas palavras eu adormeci e não o ouvi mais.

Quando acordei era fim da tarde. O sol caia atrás dos prédios altas da selva de pedra. Estava com tonturas, por isso não tentei levantar. Fiquei ali, deitada, pensando naquele rapaz que interviu numa decisão minha e que com poucas palavras me fez mudar de idéia.
O veria de novo?

O choque naquele momento havia sido grande e eu não perguntei quem ele era e o que fazia ali.

Na verdade prefiro me lembrar dele assim: com um sorriso doce e palavras certas. Prefiro lembrar como se ele fosse um guia que me fez recobrar os sentidos e desistir de renegar minha existência.
Assim, consegui viver novamente.

Comentários

  1. Oi Ju, estava mesmo ocupada, mas o resultado sai este sábado!
    Amei o post, o texto está lindo <3
    xoxo

    Quinze Desejos

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  2. Bonito teu texto, gostei muito da tua escrita.
    Pois é, existem anjos na nossa vida que não precisam dizer muito, um sorriso doce ou uma mão para nos segurar quando mais precisamos são o suficiente.


    Eu sou um pouco doida, tenho horários malucos e meio que me acostumei a ficar sem dormir ou dormir pouco... Não é nada saudável, eu bem sei, por isso consegui fazer todas aquelas coisas e ainda ficar de pé. Mas quando eu pego pra dormir, eu desmaio mesmo! haha
    Beijos, bom final de semana.

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